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Reflexão Sobre Vida e Morte Em Um Hospital

por revistaconthato
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VIDA E MORTE

A Donzela e a Morte, de Marianne Stokes.

Vida e morte. Duas palavras antagonistas, mas que andam de mãos dadas em um ambiente hospitalar. O internato é a parte aonde o estudante de medicina lida mais diretamente com a área hospitalar, passando por todos os setores desse local complexo. E ali ele tem o choque entre essas duas realidades. Eu ainda não completei o primeiro quarto desse período de 2 anos, contudo ja tive minhas experiências com ambas as situações e, nesse interim, vem à mente diversas reflexões. Ainda me lembro dos primeiros dias no internato de cirurgia, onde ficávamos por horas e horas no bloco cirúrgico acompanhando diversos procedimentos, desde alguns estéticos até cirurgias aonde a vida do paciente dependia de uma intervenção precisa por parte do cirurgião. Nesse mesmo hospital, o bloco cirúrgico era dividido entre a cirurgia, ortopedia e também a ginecologia e obstetrícia. Assim, havia um trânsito relativamente constante de gestantes a poucos minutos de dar à luz. E que momento mágico: lembro-me que nesse momento o ar-condicionado do bloco era desligado momentaneamente, a fim de dar maior conforto aos recém-nascidos: “Já nasceu!” dizia o cirurgião incomodado pelo calor momentâneo em que a sala se encontrava. E, após alguns minutos, a criança já passava pelo corredor no colo da pediatra, o ar-condicionado era novamente religado e tudo seguia seu fluxo.

Não dá para descrever como era mágico o momento em que, ao sair do bloco após uma cirurgia, encontrávamos a mãe amamentando a criança no peito (caso tudo ocorresse bem). A alegria no rosto era contagiante, até mesmo para quem não estava estagiando na obstetrícia ou na pediatria. Esse era o dia de sair alegre do bloco e desejar mentalmente: “Seja bem-vindo, seja você quem for.”

A Madonna e o menino, de Giovanni Bellini. Maria juntamente com o menino Jesus é um exemplo universal da vida e também ao nascimento de uma criança.

Mas, do mesmo jeito que tínhamos esses momentos de vida, tínhamos de lidar com momentos de dor. E nesse mesmo hospital, tive também minha primeira experiência com a morte. Em outro dia de muito trabalho, por volta de 14:00, sofri um acidente com material perfuro cortante, coisa corriqueira em estágios onde se encontram acadêmicos. Pelo bom funcionamento do serviço e também para minha segurança e segurança da paciente, teria de me submeter a uma série de exames e, para tal, tive de me dirigir ao pronto socorro do hospital para notificar o acidente e também colher sangue para exames. Feitos os devidos procedimentos, retornaria ao bloco, haja vista que o ferimento era um pequeno furo, e não me impedia de ajudar em mais alguma coisa. Nesse caminho encontro um senhor, cuja nome não sei e estimo sua idade em volta de 70 anos. Estava bastante debilitado, utilizando diversas sondas, mas dava ainda para sentir sua presença ali, mesmo com todo o aspecto sombrio. Nesse momento, uma das enfermeiras me pede para ajudar a empurrar a maca onde esse senhor estava, pois o mesmo iria para a enfermaria da clínica médica e esse translado seria um pouco complicado. Eu, sem titubear, aceitei ajudar e, juntam e, assim, saímos do Pronto Atendimento, no térreo, para a enfermaria, no segundo andar. Ao chegar lá, deixei o senhor e me despedi da enfermeira, que agradeceu com um sorriso e um “Obrigado Doutor.” Segui de volta ao Bloco, no terceiro andar. Eram umas 16:00 horas aproximadamente.

Terminado as cirurgias, por volta de 19:00, desci do bloco para me dirigir a saída do hospital, no térreo. E qual não foi minha surpresa ao passar pela enfermaria: vi uma senhora e uma jovem chorando, e uma espécie de caixão de alumínio, próprio para retirar corpos de pessoas falecidas. Apesar de todo o cansaço e ainda estar com as roupas do bloco, uma força me puxou até a porta da ala da enfermaria para ver o que estava ocorrendo. E qual não foi minha surpresa: Uma médica acabava de deixar a sala e duas enfermeiras, com luvas nas mãos, estavam desligando os aparelhos e retirando as sondas e outros equipamentos daquele senhor, que 3 horas antes eu havia ajudado a subir. Devo dizer que, nesse momento, senti a garganta enrolar, como se tivesse um nó, os olhos acabaram ficando mareados, e eu sai rumo a saída, cabisbaixo. Nesse momento, decidi dedicar uma prece aquele senhor, pedindo a Deus e aos bons espíritos que o recebessem bem no além vida. E, ao iniciar a decida das escadas, uma sensação me passou pela cabeça: Não fique triste por ele. Ele estava sofrendo, agora seu espírito está livre e ele não sofre mais. Simplesmente, cumpriu sua missão na terra. Confesso que me senti um pouco melhor ao passar essa sensação pela minha cabeça. Troquei de roupa, peguei meu carro e segui para a casa. Mas, antes de dormir, dediquei mais uma oração pela alma daquele senhor.

Com o tempo passando, o médico parece ir se acostumando mais, tanto com a vida quanto com a morte. Contudo, tendo de enxergar que nossas vidas são missões: nascemos com um propósito, cumprimos esse propósito e seguimos novamente para o mundo espiritual. E assim gira a roda da vida, ou roda de Samsara para os hinduístas/budistas. Depois desse dia, aprendi que, sempre ao lidar com um nascimento ou uma morte, é a hora ideal de dedicar uma prece aquela alma que está chegando ou partindo, para que seu caminho seja iluminado, e também para sua família, que pode estar em um momento de pura alegria ou em um momento de dor pela perca. Cabe ao médico curar as doenças do corpo, mas também acolher com carinho e respeito e, quem sabe, acreditar na cura da alma.

O Dia da Morte, de William Adolphe Bouguereau.

Rafael Felipe Santos Silva tem 29 anos, nascido e criado em Campo Belo-MG e atualmente cursa o 5º ano de Medicina nas Faculdades Unidas do Norte de Minas – FUNORTE na cidade de Montes Claros – MG.

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