Terra Por Capital

Schleiden Nunes-Pimenta (também conhecido por “X”). Um escrevedor mineiro, vegano, defensor da natureza, dos espíritos que abarcam todo tipo de vida e dos direitos de todos os animais. Advogado e escritor, tem obras publicadas e premiadas por todo o Brasil. Cria em todos os gêneros literários, sempre em busca do novo de si mesmo, mas sempre em contextos de crítica social e que flertam com o absurdo. Autor de “Contos Jurídicos” (LumenJuris, 2016), “A bruxa de Paris” (Cartola, 2021), “De volta à Recoleta” (Caravana, 2022), “Vermelho como Brasa” (Folheando, 2022) e “ångelo” (Toma aí um Poema, 2023), é um vegano defensor do meio ambiente e dos direitos de todos os animais. Membro Associado Comum da SODEMA.

André adorava a sua roça.
Qual André? Não importa. Isso é só uma crônica.
Importa é que ele adorava a sua roça.
Não era grande, mas tinha história. Um teco de terra, no meio de Minas, geração a geração entre filhos, irmãos e tios.
Algumas vacas – três, no máximo. O galinheiro, e, mais acima, mais abaixo, uns metros de milho e de mandioca, batata-doce, espalhadas no terreiro, coletadas já para o almoço ou para o domingo. A tal subsistência, hoje na moda, que em verdade sempre existiu antes da história.
É assim que acontece, até quando houver alguém para contar.
André levou sua família até que Edvaldo, um empresário da cidade, contratou seus cinco filhos um a um. O moço mexia com grão, sacaria, tudo um pouco mais carro de frete. Meteu-os num caminhão e os pôs a trabalhar.
Viver na cidade era ser chic, era ser safo; na roça, ficavam os ignorantes, os bobos e os mal-educados. Fora esse status, havia o salário. Tinham um patrão, o que era chic por igual. emprego fixo, holerite, e viajavam noite e dia, hora extra na camaradagem, sem tempo para a família embora… Mas o salário mínimo? Eis garantido.
Sobreviviam.
Na roça, que então só restara para o almoço de domingo, sobrara André mais sua esposa, que, além de tudo, lidava agora com a clientela fraca; com o comprador de queijo e de espiga. E não demorou a que a roça, já sem os filhos e os netos, ficasse seca até de mandioca.
O patrão dos filhos, amigo da família, convenceu André a mudar-se também, pois, o que teria ali, longe de todos, ele mais a esposa, no findar da vida?
Na cidade, tinha a feira; na cidade, tinha parabólica. Tinha asfalto e uma motinha.
Ir para a cidade.
Meses depois, André veio a ter que Edvaldo é quem comprara suas terras, em nome de terceiros, e nunca lhe falara nada. Ele é quem havia interceptado, inclusive, tempos atrás, o seu antigo comprador de queijos que o levou à crise financeira.
Planejara.
Hoje, os filhos de André trabalham nas terras que já foram suas; plantam mandioca, milho, puxam leite, a um salário base enquanto pagam vinte anos de financiamento de suas casas populares. Graças a Edvaldo, graças a ele, que deu azo ao contrato.
Estão felizes. Trabalharão para Edvaldo até a velhice.
Não há quem os convença do contrário. Pois, Edvaldo até fez a boa vontade de pagar o caixão de André, seu velório. Homem do bão.
Dizem que foi desgosto, o velho. Secou seu coração.
Desenterrou.
Foi embora da cidade, do jeito que pôde, após a invisível luta que ele nem imaginou estar a lutar versus o capital.
Um amigo de Edvaldo, uma vez, perguntou a ele quem era o antigo proprietário daquelas terras, admirado com o preço baixo que pagou por elas àquela época. O empresário pensou, coçou o queixo, esforçou-se mesmo, até concluir que o sujeito chamava-se Antero.
Saudoso Antero…
Há quem vá se lembrar.

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